Nada me angustia mais do que cães que se esqueceram que são cães.
O cão a quem nunca ou pouco deram a oportunidade de ser cão.
O cão que foi perdendo a sua essência, em cada banho semanal, em cada puxão na trela, em cada passeio apressado.
O cão a quem foi dito tantas vezes para estar quieto que no fim do dia, era só isso que lhe restava. Estar quieto. Ladrar pouco. Correr pouco. Brincar pouco. Incomodar pouco. Ser pouco.
Mas os cães não sabem ser pouco.
E será que há quem saiba? Todos viemos para ocupar espaço, o nosso espaço. Mas no fim das contas, passamos uma vida a encolher mais e mais só para caber. Para caber nas ideias dos outros, nos sítios dos outros, nas expetativas dos outros.
Às vezes parece que conseguimos. Que tanto tentámos que conseguimos finalmente moldar-nos a esse lugar onde ocupamos pouco, incomodamos pouco, somos pouco. Aguentamos, chega a parecer confortável durante uns tempos mas pouco dura. Centímetro por centímetro começamos a sentir as dores do crescimento que tanto lutamos para impedir.
Ninguém nasceu para ser pouco.
Até porque o pior de se tentar ser pouco é que chega sempre o dia em que os outros serem muito também dói. Ver outros a ocupar o espaço que disseram não ser para nós custa e dá-nos a volta. Até que começamos também a dizer-lhes para estarem quietos, para incomodarem menos, para ocuparem menos, para serem menos.
O ciclo é vicioso quando decidimos que não há espaço para todos.
Anseio o dia em que todos ocupem o seu lugar mas parece que esse dia não chega. Até lá fico-me pelos cães. Se vocês não querem o vosso lugar, nós reclamamos o nosso. E por muito que haja quem lhes queira negar essa chance, todos os dias que passarem ao meu lado serão para se lembrarem que são cães e que não merecem nada menos do que uma verdadeira Vida de Cão.
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