O que aconteceu para andarmos todos a fugir do stress, do medo, da ansiedade, da insegurança? De um dia para o outro o Stress foi enfiado na mesma gaveta do Pitbull, pouco sabemos sobre ele mas o que ficou é que é mau, perigoso e deve ser temido, se possível totalmente evitado. Para qualquer lado que me vire, não faltam truques, dicas, receitas, rotinas, passo a passo para extinguirmos as emoções que demonizámos.
Parece que nos perdemos todos um bocado neste processo de nos tornarmos especialistas de bancada na arte de bem viver. O Stress em excesso dá cabo de nós. É verdade. Não há como negar. Tal como tudo aquilo para o qual não se encontre um equilíbrio. Mas uma coisa também é certa, onde existe stress, existe vontade de viver. Se por um lado o stress em excesso nos tira a saúde, o tempo e a leveza que desesperadamente procuramos, é também o responsável por, em quantidades certas, nos motivar, nos ajudar a focar, nos alertar de perigos, nos manter seguros e tantas outras coisas que nos mantém aqui, inteiros, prontos para viver todo o outro lado da vida cheio de coisas boas.
Se há coisa que os cães me ensinaram é que nada nem ninguém é feito de uma só matéria. Nada nem ninguém é totalmente mau ou totalmente bom. Todos somos uma mistura perfeita de tantos pedaços. Pedaços lindos e pedaços tão podres que escondemos com todas as nossas forças para que nunca sejam vistos e nunca deixem de nos amar. Mas o amor não está exatamente em quem consegue ver além do podre, do mau e do azedo? Quem nos ama não são os que nos conhecem nos piores dias e têm a dose extra de paciência que os outros não têm? Que sabem o manual de instruções para voltar a montar todos os nossos pedaços, bons e maus, quando tropeçamos na vida e nos desmontamos de cara no chão? Sempre acreditei que sim.
Nos últimos tempos tenho visto à distância uma legião de pessoas que querem tanto ser perfeitas, ter o cão perfeito, ter uma varinha de condão que torna tudo à sua volta belo e fácil que acabam realmente a viver numa bolha bela e fácil mas tão, tão pequenina que me desperta uma claustrofobia imensa só de pensar. Nessa bolha não cabe medo, nao há espaço para desconforto, não pode entrar o susto e jamais se dá tempo de antena à insegurança.
Nunca irei querer viver uma vida sem medo. Sem sentir aquela dor de barriga quando me falam num desafio que me faz tremer da cabeça aos pés, em pânico, com a total certeza de que jamais serei capaz de o superar. E muito menos vou querer viver sem saber a sensação única que é ignorar essas náuseas demoníacas e simplesmente me mandar de cabeça porque sei que no fim vou sair torta, amachucada mas inteira, mais rija que nunca e pronta para a próxima! Aprendi a ver esse medo como um convite para viver algo novo e que me vai fazer crescer de uma forma imensurável sem passar pela casa de partida.
Não sei quanto a vocês mas sei quanto a mim e se pudesse apostar, diria também pelos vossos cães que não querem viver uma vida sem medo, sem stress, sem respostas de um sistema nervoso funcional, capaz e pronto a ser usado. Os vossos cães querem equilíbrio. Querem doses certas de cada emoção para se tornarem uma receita quase perfeita. Querem ser feitos de múltiplos pedaços de alegria, medo, calma, insegurança, excitação, descanso, susto e tudo aquilo a que têm direito.
Não sei tudo sobre cães, longe disso, mas tudo o que sei mostra-me que tal como tudo na natureza, estão mais perto da perfeição que tanto procuramos sem sequer tentarem.
Não sei tudo sobre cães, longe disso, mas não tenho dúvida de que nenhum cão algum dia estará disposto a viver pela metade.
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